Efeito número 1
Um tanto de areia preta com água mexe e vira argila. Vira uma escultura, que é fotografada. A foto é impressa num papel de parede e este é colado num muro bem grande. O muro é marretado e demolido até restarem milhares de pequenos pedaços nos quais ainda se notam, em fragmentos, o papel de parede com a foto da escultura de argila. Esses milhares de pedaços são amontoados junto a um espelho e formam, por efeito, dois montes idênticos lado a lado. Esses dois montes são filmados em película durante cinco minutos. Essa película é cortada em vários pedaços que são pendurados num extenso varal.
5 minutos pendurados num varal.
Esse varal com essas películas é fotografado em preto e branco, à contra-luz, lembra as listras de uma zebra. Essa imagem é impressa num tecido branco, criando uma interessante estampa que vira um biquini. A modelo ganha o biquini do artista que criou a estampa. Ela é fotografada por uma revista de ti-ti-ti usando o biquini de estampa feito a partir da foto das películas que filmaram os montes de entulho com fragmentos do papel de parede impresso com a foto da escultura de argila. O ex-namorado da modelo está na praia lendo a revista de ti-ti-ti. Ele vê a ex-namorada-modelo na foto com o dito biquini. Ele arranca a página da revista, amassa até virar uma bolinha, cava um buraco na areia preta da praia. Passa uma onda.
Efeito número 2
Com as mãos em concha, a amiga cochicha no ouvido da amiga. Uma palavra escapa por entre os dedos, escorre pelo braço da menina, cai no chão do quintal e entra na terra pelas ranhuras do piso. Lá passa uma minhoca que, ups, engole a palavra e segue caminho em direção à horta da casa. A minhoca cavuca a terra e vai semeando a palavra junto ao pé de mandioca. O pai cava a mandioca, cozinha a mandioca, e como palavra não tem medo de fervura, resiste firme até seguir pro jantar da família. A família come aquela mandioca com aquela palavra junto e fica com essa palavra na cabeça toda hora, dia inteiro, mês todo. O pai resolve vender um fusca, põe anúncio no jornal e sem saber faz uso da tal da palavra. O futuro comprador do fusca recorta o anúncio do jornal e fica com aquela palavra no bolso enquanto vai pro bar. E toma cerveja com os amigos, e toma cachaça, e toma, e toma mais, e o porre tomou conta. Tira então o recorte do bolso e conta pros amigos do anúncio, mas a palavra sai torta perneta manca até a beira da estrada embriagada vai atravessar o asfalto tá quente pelando vai atravessar vem uma onomatopéia em alta velocidade brummmmm cuspida pelo fusca, a palavra ofusca.
Efeito número 3
Dois fuscas se chocaram. O que vinha mais rápido era de um verde opaco fruto de muitas tardes de sol chapando a lataria. Sol de Santos, podia-se ver pela placa que agora pendia sobre o capô do outro fusca, esse de cor rosa-choque, que descera a ladeira brecando em ziguezague. O fortíssimo impacto amalgamou os veículos de tal forma que a parte dianteira do fusca verde foi engolida pelo fusca rosa, sendo mastigada para o seu interior, criando uma insólita noção de dentro e fora. Após três capotadas, os dois automóveis imóveis escancaravam de barriga pra cima o avesso das latas, cuja ferrugem marrom completava o azul claro do céu no melhor clima retrô. Interessante notar que os pneus do fusca, difícil saber se do verde ou do rosa, estouraram e desmaiaram como massa de pão fervendo no asfalto, fumaça saindo, o céu queimado. As antenas dos carros voaram, mas permaneciam ao redor da cena equilibrando o tom prata presente também nos parachoques, que contorcidos, lembravam esculturas de Jonh Chamberlain. Poderia-se valer da poesia dizendo que foi um verdadeiro abraço de fuscas não fossem os pedaços de carne estilhaçados por toda a carcaça, que salteavam de vermelho negro aquela composição verde-rosa, comprometendo o que seria uma notável referência ao samba da Mangueira.