quarta-feira, 10 de novembro de 2010

EFEITOS



Efeito número 4


Um adjetivo arrogante. Orgulhoso, atrevido, petulante. Um adjetivo sem dó, nem pudor. Adjetivo sem jeito e sem objetivo. Um parágrafo só desses adjetivos. Uma lauda, capítulo, uma obra completa, completíssima, completamente cheia de adjetivos. Uma biblioteca de adjetivos. Uma festa literária inteira, inédita, internacional, Inesquecível Festa Literária de Adjetivos. Depois um congresso. E uma lei pros adjetivos. Um vereador pros adjetivos. Uma passeata de adjetivos. Uma guerra. Adjetivos reféns, adjetivos mortos. Ressurreição de adjetivos. Daí uma igreja dos Adjetivos do Dia Seguinte. Um grande Deus adjetivo. Uma civilização adjetiva. Um continente adjetivo. Um hemisfério. Os dois. Um planeta adjetivo. Uma galáxia adjetiva. E então, um universo adjetivo. E aqui nos perguntaríamos: existem adjetivos em outros planetas? E enviaríamos um adjetivo para o espaço. O adjetivo voltaria sem notícia de adjetivos alienígenas. Diríamos portanto: o adjetivo é incompetente. E continuaríamos nossas pesquisas.


Efeito número 5
prólogo para o Efeito número 6

No dia que o mundo acabou, as ideias ficaram soltas no ar. As fórmulas, os insights, e as piadas todas juntas. Mesmo as ideias esquecidas, as fracas, as sem pé nem cabeça. É certo que algumas ideias esqueciam de si mesmas e outras se confundiam com exemplares similares, pois talvez toda ideia seja uma outra fantasiada. Mas houve uma ideia central, da qual nem se tinha notícia antes do mundo acabar, e que mudou o rumo de tudo, ou de nada, que existia: a ideia de que as ideias tem código genético. Com o passar do tempo, as ideias cresceram, ganharam de volta o acento, criaram membros, orgãos, e se reproduziram. Passaram a dar a luz a novas ideias, excitantes como um raio ou comuns como algodão. Grupos de ideias formaram ideologias. Ideias visuais viraram ideogramas. Ideias populares eram tidas como ideais. Maduras, as ideias botaram o pé no chão. E ainda que nenhuma ideia se lembrasse mais de como era o mundo antes dele acabar, aos poucos as ideias sobre o mundo começaram a surgir. Foi como se a ideia mais genial de todos os tempos tivesse nascido. Uma ideia foi contando pra outra, que espalhou pras demais, e logo todas as ideias concordaram que seria ótimo se existisse um mundo.


Efeito número 6

No mundo das ideias, aderência pode ser uma freiada de carro no asfalto, distante de uma pena, que flutua, como um satélite. Na falta de hierarquia nesse reino, absurdos e maravilhas fazem festa. Quando a coerência encontra a incoerência, é faísca, veneno e briga de razão. Se calha da sorte estar por perto, pode dar em parto, e pode até virar conceito. Que se espalha no espaço, onde pulsam os cometas, fogos de artifício e pontos de exclamação. Abajures, celulares e vagalumes iluminam as dúvidas que saem em busca de letreiros de neon piscando bar. Opiniões controversas, rinocerontes e a paz dividem a história. O enredo é um emaranhado de teias. No mundo das ideias, trabalho é um dedo enrugado que também chama criança na piscina, os holofotes e os elefantes se aproximam, e carnaval fora de época é o mesmo que pipoca. Transversal e perpendicular são variações do mesmo tema, e não se importam com a reta, nem com a referência. A trajetória de uma palavra é sempre incerta, disserta a metáfora. Enquanto busca ideias para dizer tubarão, pavio e jaboticaba.

Um comentário:

Unknown disse...

Você escreve muito hein! Gostei mto, sobretudo do efeito 4 e 5 =)
abs!

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