quarta-feira, 10 de novembro de 2010




Efeito número 1

Um tanto de areia preta com água mexe e vira argila. Vira uma escultura, que é fotografada. A foto é impressa num papel de parede e este é colado num muro bem grande. O muro é marretado e demolido até restarem milhares de pequenos pedaços nos quais ainda se notam, em fragmentos, o papel de parede com a foto da escultura de argila. Esses milhares de pedaços são amontoados junto a um espelho e formam, por efeito, dois montes idênticos lado a lado. Esses dois montes são filmados em película durante cinco minutos. Essa película é cortada em vários pedaços que são pendurados num extenso varal.


5 minutos pendurados num varal.


Esse varal com essas películas é fotografado em preto e branco, à contra-luz, lembra as listras de uma zebra. Essa imagem é impressa num tecido branco, criando uma interessante estampa que vira um biquini. A modelo ganha o biquini do artista que criou a estampa. Ela é fotografada por uma revista de ti-ti-ti usando o biquini de estampa feito a partir da foto das películas que filmaram os montes de entulho com fragmentos do papel de parede impresso com a foto da escultura de argila. O ex-namorado da modelo está na praia lendo a revista de ti-ti-ti. Ele vê a ex-namorada-modelo na foto com o dito biquini. Ele arranca a página da revista, amassa até virar uma bolinha, cava um buraco na areia preta da praia. Passa uma onda.


Efeito número 2

Com as mãos em concha, a amiga cochicha no ouvido da amiga. Uma palavra escapa por entre os dedos, escorre pelo braço da menina, cai no chão do quintal e entra na terra pelas ranhuras do piso. Lá passa uma minhoca que, ups, engole a palavra e segue caminho em direção à horta da casa. A minhoca cavuca a terra e vai semeando a palavra junto ao pé de mandioca. O pai cava a mandioca, cozinha a mandioca, e como palavra não tem medo de fervura, resiste firme até seguir pro jantar da família. A família come aquela mandioca com aquela palavra junto e fica com essa palavra na cabeça toda hora, dia inteiro, mês todo. O pai resolve vender um fusca, põe anúncio no jornal e sem saber faz uso da tal da palavra. O futuro comprador do fusca recorta o anúncio do jornal e fica com aquela palavra no bolso enquanto vai pro bar. E toma cerveja com os amigos, e toma cachaça, e toma, e toma mais, e o porre tomou conta. Tira então o recorte do bolso e conta pros amigos do anúncio, mas a palavra sai torta perneta manca até a beira da estrada embriagada vai atravessar o asfalto tá quente pelando vai atravessar vem uma onomatopéia em alta velocidade brummmmm cuspida pelo fusca, a palavra ofusca.


Efeito número 3

Dois fuscas se chocaram. O que vinha mais rápido era de um verde opaco fruto de muitas tardes de sol chapando a lataria. Sol de Santos, podia-se ver pela placa que agora pendia sobre o capô do outro fusca, esse de cor rosa-choque, que descera a ladeira brecando em ziguezague. O fortíssimo impacto amalgamou os veículos de tal forma que a parte dianteira do fusca verde foi engolida pelo fusca rosa, sendo mastigada para o seu interior,  criando uma insólita noção de dentro e fora.  Após três capotadas, os dois automóveis imóveis escancaravam de barriga pra cima o avesso das latas, cuja ferrugem marrom completava o azul claro do céu no melhor clima retrô. Interessante notar que os pneus do fusca, difícil saber se do verde ou do rosa, estouraram e desmaiaram como massa de pão fervendo no asfalto, fumaça saindo, o céu queimado. As antenas dos carros voaram, mas permaneciam ao redor da cena equilibrando o tom prata presente também nos parachoques, que contorcidos, lembravam esculturas de Jonh Chamberlain. Poderia-se valer da poesia dizendo que foi um verdadeiro abraço de fuscas não fossem os pedaços de carne estilhaçados por toda a carcaça, que salteavam de vermelho negro aquela composição verde-rosa, comprometendo o que seria uma notável referência ao samba da Mangueira.

6 comentários:

Unknown disse...

Oi Fê, e olha onde vim parar... me falta ler muitos ainda. O da palavra gostei muito, há algo de Manuel de Barros, que adoro.
beijo. Tanânia

maria lutterbach disse...

um número 8, pra levar!

Anônimo disse...

Esses estão de primeiríssima!!!
Te adicionei enquanto link na babilônia. No dia 01 agora vai rolar uma exposição, coisa fina, saberás a tempo.

abracios, hermano

@Ugenias disse...

Oi Felipe,

Que surpresa me deparar com um blog de palavras boas!

Estou pensando em fazer mesmo o curso de Economia Criativa. Obrigada pelo parecer extra!

Inteh!
Eugenia

CAOS disse...

Congratulations my friend for this blog... I hope you remember your friends from Tulsa Oklahoma, this is your "dude" Christian, greetings from Quito, Ecuador...

Unknown disse...

Efeitos número 1 e 2 excelentes! Não sei explicar, mas gosto muito do seu estilo de escrita... =)

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