sexta-feira, 26 de julho de 2013

PLANOS CONRETOS - texto para a exposição de Flavia Mielnik na Tag and Juice, em São Paulo




Antes que o Pari faça sombra no Carrão, o Perus esconda o Jaraguá, o Jaçanã se debruce sobre a Penha e São Domingos esprema o Limão; antes que o último a sair já nem precise mais apagar a luz e que remediar não tenha mais serventia, valeria, como faria qualquer paciente, ouvir uma segunda opinião.

É à cidade verticalizada, que faz do espaço tabuleiro e joga o escanteio no horizonte, que os trabalhos de Flávia Mielnik oferecem novas perspectivas. Ao flagrar e intervir nas camadas urbanas, a artista cria ilusões necessárias: planos de fundo e de futuro. O tapume que antes tapava, agora tapeia. Imagens à margem, ganham atenção. A ruína que estava à mostra, vira mostra; a obra, obra. Mas só para os olhos de hoje, nessa exposição. Pois, in loco, o ato é um carimbo insinuante, uma tatuagem provisória, um miniconto tingido na metrópole.

Intervir: intrometer-se, estar entre duas partes; tomar partido voluntariamente; tornar-se mediador; interceder; levantar-se em defesa. Se as realidades hipotéticas têm cunho poético, têm também punho político. Mexer na textura, na organização e na leitura do espaço. Trocar a construção pela imaginação civil. É discurso, manifestação. Bandeira individual que, largamente, abraça o coletivo.

As capas de realidade que o trabalho vela e desvela ainda levam além. Convidam-nos, passantes-espectadores-cidadãos, às histórias metidas entre frestas, rachas, cômodos e níveis, antes invisíveis. Abrem vãos e portais para memórias esquartejadas, sobrepostas, semi-silenciadas. Recontam tramas por metáforas arquitetônicas.

Assim, antes que nos esqueçamos da cara da rua, dos furos no muro, do parentesco entre a jarra, o barro e o tijolo; antes que deixemos de narrar os micro-acontecimentos do nosso entorno e que não escoremos mais os ombros na tinta lascada de uma casa antiga,  esses trabalhos nos contratam como testemunhas de um enredo afetivo, compartilhado, do qual, então, lembramos fazer parte. 



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