Texto sobre o trabalho de Laura Gorski para o livro A NOIVA DO CONDUTOR, lançado pela editora Terceiro Nome, baseado na opereta escrita por Noel Rosa em 1935.
A NOIVA DO CONDUTOR, de Noel Rosa
Ilustrações de Laura Gorski
As ilustrações de Laura Gorski para “A Noiva do Condutor” foram concebidas pela artista em meio à dezenas de horas de audição da única gravação existente desta opereta, realizada em 1985, pelo selo Eldorado, e que tem como destaque a voz de Marília Pêra, como Helena, e de Grande Otelo, no papel de seu pai. Audição que, a cada vez experimentada, fez emergir as camadas sutis que esta obra guarda em seu enredo, poesia, e sonoridade.
Tal qual à obra de Noel Rosa, o trabalho de Laura Gorski também faz emergir camadas, as matizes de um tempo no qual viveu o autor: quando ainda havia namoros de portão, serenatas ao pé da janela, e quando mesmo a mentira – sustentada na opereta pelo condutor – trazia consigo uma inegável simpatia.
As nuances desse tempo foram ambientadas por Laura Gorski após pesquisas sobre a paisagem do Rio de Janeiro da década de 30. Com algumas referências em mãos, a artista criou as personagens e os cenários que compõem a opereta a partir de seu trabalho – já habitual – com desenho e recorte. Durante seu processo de criação, o bisturi foi recortando lentamente, sobre as folhas brancas ou pretas, o desenho previamente traçado, como que abrindo espaços no papel para que as imagens da história de Noel pudessem se revelar.
Essa espécie de arqueologia poética da artista obedeceu, em seu próprio ritmo de execução, ao mesmo compasso lento, cadencioso, do período retratado. O tempo dos bondes, das ruas de paralelepípedos, da fumaça de cachimbo que sobe ao sabor da emoção de cada momento.
Ao conceber a caracterização das personagens, na qual o que predomina é o uso do desenho, as singularidades propostas pela artista trazem o mesmo clima da época, por meio de uma leveza paciente, quase ingênua, e do bom humor que se faz presente nas feições de Helena, Joaquim, Doutor Henrique e Jota Barbosa, no gestual e vestimentas criadas, e na cor levemente amarelada oferecida a todos eles, como forma de alçar as personagens ao plano de destaque proposto pela opereta.
O aspecto gráfico, de linhas suaves, espaços vazios, e de contraste entre poucas cores nos desenhos de Laura Gorski, remetem ainda à simplicidade não só da vida desta década de 30, mas também da linguagem própria do texto de Noel para tratar do cotidiano, de forma simples, direta, com bom humor e ironia. Neste sentido, texto e imagem resultam num feliz casamento, como o de Helena e Joaquim ao final da história. No entanto, pode-se ver no livro, que ambos nunca deixam de flertar um com o outro, ora se mirando, ora se comentando, ora se despedindo; como em um namoro de portão.