sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
O pernilongo
Hoje pela manhã me dei conta que um pernilongo fixou residência na porta de entrada do meu apê. Entro e saio de casa diariamente com o diário da mente em outro lugar, ato tão condicionado que torna difícil notar minúcias e movimentos ao redor. Mas ao ver o mosquito nesta manhã, lembrei que por uma meia-dúzia de vezes já topei com ele ali, parado na porta, cantarolando, zunindo, impávido, tranqüilo e infalível como Bruce Lee.
É assim: parece que ele escolheu morar na altura em que fica o olho-mágico da porta. Talvez resida na mágica do olho-mágico a razão para a escolha do lote. Ou aquela grande porta, lisa, branca e exclusiva simbolize status pessoal entre a tribo pernilongueira. Chegaria ele a se sentir como uma obra em exposição no Guggenheim? Ou quem sabe também, sendo ele quiçá um pai de família, optou por questões como vista para o corredor, ar fresco, localização e segurança? Um típico novo morador da Barra-Funda? Mas enfim, pensando bem sobre a expectativa de vida dos pernilongos, será que é sempre o mesmo que habita o olho-mágico da porta, ou talvez já seja uma tradição, passada de pai-para-filho há gerações (inclusive para manter a propriedade na família)?
Pensei também na nossa relação. Seria este pernilongo um representante da proteção divina delegado a zelar pela portaria do meu lar? Seria ele um bebê-pernilongo abandonado pela mãe na porta da minha casa para que eu o acolhesse? Ou seria ele definitivamente um bicho oportunista, franco usurpador e sanguinário, apenas aguardando a melhor oportunidade para me dar o bote?
Ainda sem nenhum confronto real, sinto que estamos nas preliminares.
Quando eu abro a porta para sair de casa, vejo-o logo voando em disparada no lado de fora. Quando eu chego, ele fica me olhando, me mede, eu faço o mesmo, penso em matá-lo, desisto, abro a porta na torcida para que ele não entre em casa, ele não entra, cantarola, zuni, faz ar de desprezo e sai em tom robusto, que nem Muhammad Ali.
O que ele não sabe, é que estou em poder de seus familiares. Pois, dentro do meu guarda-roupa, noto frequentemente a confraternização de entes muito similares ao exemplar que me encara dia e noite. E que, por não raramente fazerem abordagens indesejáveis durante meu sono, passaram a correr real risco de vida.
Assim, creio que chegamos na urgência de uma negociação. Antes cogitei soluções do naipe da Muralha da China, de um Tratado de Tordesilhas, ou mesmo de um jó-quem-pô decisivo. Ou talvez fosse oportuno convocar uma reunião de condomínio interna para discutirmos regras de convivência. Para resolver a situação, sentaríamos todos em círculo, meditaríamos, e ouviríamos atentamente as necessidades de cada um, avaliando como em um mundo complexo e diverso como este poderíamos coexistir em harmonia.
Mas e se eu fosse lá e desse só um tapinha?
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